sábado, julho 07, 2007

ASTROLOGIA VÉDICA E TRANSCENDÊNCIA

O tempo e o espaço são as dimensões fundamentais da existência. Nós perdemos as nossas oportunidades na vida, por muito reais que elas sejam, por estar no local certo à hora errada ou no local errado à hora certa. Cada um de nós é, pois, naturalmente levado a ter uma maior compreensão do tempo e do espaço em que vivemos, para que melhor saibamos quem somos, de onde vimos e para onde vamos. Uma das formas pela qual podemos medir o nosso tempo e espaço é a adivinhação, que é a descoberta do “desconhecido” através do uso de cadeias de causa e efeito que nem sempre são evidentes para o observador objectivo.

O Jyotish (literalmente, “Luz”; por extensão, “O Estudo da Luz”) é o sistema indiano de adivinhação. Também chamado Astrologia Védica ou Hindu, o Jyotish é um modelo da realidade que interpreta as condições observadas do cosmos no momento de um evento a fim de proporcionar a compreensão da natureza desse evento. Uma das razões pela qual a Astrologia é uma parte intrínseca da experiência cultural e religiosa da Índia é que poucos modelos da experiência humana descrevem o passado, presente e futuro com a amplitude de visão e variedade de métodos que o Jyotish permite.

KARMA E JYOTISH

Uma vez que o Srimad Bhagavata, um dos maiores textos espirituais da Índia, ensina que todos os estados da mente em que o sentimento de “eu” e “meu” estão presentes são o resultado das permutações e combinações das Três Gunas ou qualidades (Nota: no contexto da evolução da consciência, Sattva representa a individualidade que é relativamente consciente de Si mesma; Tamas, a individualidade que é relativamente inconsciente de Si; e Rajas, a capacidade de se tornar relativamente mais ou menos consciente de Si.), para se conhecer a mente temos de conhecer as Três Gunas. Sattva é o estado natural da mente consciente, e Rajas e Tamas são as duas maneiras em que a mente pode ficar fora de equilíbrio. Embora estas Três Gunas possam teoricamente existir como Sattva puro, Rajas puro ou Tamas puro, no mundo todas as coisas criadas são compostas de forma inata de combinações de todas as três, tal como toda a matéria é uma combinação dos Cinco Elementos, com um ou dois predominando a cada momento.

Embora a Lei do Karma se apresente simplesmente como – “cada um colhe o que semeia” – ela não é uma teoria simplista de se ser pago na mesma moeda, nem é qualquer criação humana arbitrária. A Lei do Karma é outro nome para a Terceira Lei de Movimento, de Newton: “Para cada acção existe uma reacção igual e oposta”.

As coisas não acontecem todas ao mesmo tempo no nosso mundo, graças às limitações inerentes de tempo, espaço e causação. Uma árvore e a semente de onde ela nasceu não podem existir em simultâneo; a primeira deve desenvolver-se a partir da segunda. Os eventos ocorrem no nosso Universo de acordo com uma sequência que é estipulada pela Lei do Karma no grande calendário conhecido como tempo.

Cada acção causa inexoravelmente algum efeito, e cada efeito causa efeitos posteriores, como ondas que se espalham a partir de uma pedra lançada num charco. À medida que uma miríade de acções se acumula, a cascata de efeitos torna-se tremendamente complexa e perplexa, enredando-nos em alargadas matrizes de causa e efeito que nos amarram ao mundo num vasto sistema que se regula a si próprio. Como Gandhi disse: “Depois de inventar a Lei do Karma, Deus pôde reformar-se”.

Os humanos, que têm muito mais consciência de Si mesmos do que os animais ou as plantas, têm proporcionalmente muito maior capacidade de se auto-identificarem com as suas acções. Semeiam assim mais do que outros seres vivos, e colhem mais. O que semeiam e colhem depende do equilíbrio relativo das Três Gunas nas suas personalidades. Quando predomina Sattva, uma pessoa realiza karmas altruístas, sem apego aos seus resultados, enquanto que uma predominância de Rajas faz a pessoa agir por paixão, cega pelos desejos. Aqueles que agem sem pensar agem com predominância de Tamas. Só aqueles cuja mente está exclusivamente fixa no Absoluto permanecem não tocados pelos Três Gunas.

Os karmas dividem-se em quatro categorias: Sanchita (a acumulação de todos os karmas), Prarabdha (os karmas prontos a ser experimentados), Kriyamana (os karmas actuais) e Agama (próximos karmas). A classificação de qualquer acção numa classe de karma ou noutra nem sempre é fácil, porque a relação de causa-efeito é essencialmente uma unidade inseparável. Embora partir um todo indivisível em partes fictícias torne mais fácil compreender o todo, os quatros tipos de karmas interpenetram-se.

1. Karma Sanchita

O Karma Sanchita (“amontoado juntamente”) é a soma total de todas as acções passadas, conhecidas e desconhecidas, que um ser realizou e estão na sua conta kármica. Karma “conhecido” é o karma que temos consciência de ter realizado, enquanto karma “desconhecido” é o karma que não temos consciência de ter feito. Karma “desconhecido” é um tipo de relação de causa-efeito que não é facilmente conhecido pela mente finita. A complexidade deste karma desconhecido é aumentada exponencialmente quando a noção da transmigração das almas, habitualmente chamada reencarnação, é introduzida na equação kármica.

A reencarnação presume que as acções realizadas em vidas anteriores podem bem ser as causas dos efeitos experimentados nesta vida. Embora não venha referida muito claramente nos próprios Vedas, a doutrina da reencarnação tem sido uma parte integral de quase todas as filosofias indianas desde os tempos Védicos. O Bhagavad Gita (“A Canção do Senhor”), uma das mais famosas e amadas escrituras da Índia, habilidosamente e com cuidado expressa esta ideia numa analogia: “Assim como uma pessoa abandona as roupas usadas e põe outras que são novas, também a alma abandona os corpos usados e apanha outros que são novos” (II: 22).

Uma mulher que se admira por achar tão fácil tirar o seu curso de Direito, tão difícil encontrar um marido, tão fácil relacionar-se com os seus pais, e tão difícil ter filhos admira-se disso porque esqueceu os karmas realizados nas suas vidas anteriores. São esses karmas passados que fazem com que algumas das suas circunstâncias actuais, boas ou más, pareçam desproporcionais aos efeitos esperados das causas conhecidas desta vida. E, uma vez que cada acção tem um resultado que o agente da acção original deve também experimentar, todas as acções que ela realiza durante esta vida produzirão as suas próprias reacções, e quaisquer resultados previstos que ela não tenha experimentado na altura da sua morte serão inevitavelmente desfrutados numa futura encarnação.

Se não acreditarem na reencarnação, podem supor que as acções anteriores nesta vida, incluindo as influências intra-uterinas e as experiências formativas na infância, foram os karmas esquecidos que vieram à superfície para melhor ou pior mais tarde na vida.

2. Karma Prarabdha

O Karma Prarabdha, a porção do Karma Sanchita que está pronta a ser experimentada por um indivíduo durante a sua vida, representa o efeito corrente das acções passadas que aparecem como fado ou destino. Uma mulher que é simultaneamente uma filha, uma esposa, uma mãe, e uma advogada não experimenta ao mesmo tempo todos os resultados das acções passadas que criaram estes papéis. Em vez disso, ela é predominantemente uma filha apenas com os seus pais, uma esposa apenas com o seu marido, uma mãe apenas com os seus filhos, e uma advogada somente na sua vida profissional. Do mesmo modo, uma entidade não experimenta todo o seu Karma Sanchita ao mesmo tempo; somente aquela porção que “amadureceu” para ser experimentada virá à superfície num dado momento.

3. Karma Kriyamana

Os Karmas Kriyamana consistem no total efeito potencial criado pelas acções correntes. As pessoas não são meras marionetes, manipuladas mecanicamente pelos efeitos das suas acções passadas; nós podemos, ao exercer a nossa vontade, criar novas acções no presente. Os Karmas Sanchita e Prarabdha são de certa forma “destinados” ou “fadados”, porque são o produto de acções passadas que amadureceram. O nosso Karma Kriyamana é o que fazemos, em qualquer momento, com a nossa capacidade de querer e de criar; é o nosso “livre arbítrio”.

Por exemplo, uma condição congénita que não deixe a nossa advogada ter filhos podemos dizer que é devida ao Karma Prarabdha ou destino: um efeito amadurecido pronto a ser experimentado. Esta também é uma questão de Karma Sanchita, a versão a longo prazo do fado, pois a deficiência congénita fazia parte do total dos resultados a experimentar que amadureceram para ser experimentados agora. Se existir cirurgia que corrija esta condição e se, num dado momento da sua vida adulta, ela optar pela cirurgia, essa decisão pode acontecer graças ao seu Karma Kriyamana.

4. Karma Agama

Os Karmas Agama, novas acções que tencionamos fazer como resultado do discernimento, representam a nossa capacidade de visionar acções futuras, quer optemos ou não por implementá-las. No exemplo anterior, os Karmas Agama estão a ser realizados quando a advogada sonha ou planeia a correcção cirúrgica da sua infertilidade. Diz-se que para termos sucesso devemos planear o nosso trabalho e trabalhar o nosso plano; o primeiro é um Karma Agama, o último é um Karma Kriyamana.

COMPLEXIDADES KÁRMICAS

O Jyotish presume que a condição humana surge sempre da interacção dinâmica entre destino e livre arbítrio. O destino é fundamentalmente uma expressão dos Karmas Sanchita e Prarabdha, e o livre arbítrio resulta dos Karmas Kriyamana e Agama. Os Karmas Agama e Kriyamana evoluem eternamente para Karmas Sanchita e Prarabdha com o decorrer do tempo, o eixo que faz girar a grande roda do karma. O que foi feito por livre arbítrio hoje age como causa do que é experimentado como destino amanhã. Embora ninguém seja regido apenas pelo destino, pode parecer que o é antes de emergir o verdadeiro livre arbítrio. Só quando o livre arbítrio emerge, pode a quantidade e qualidade do esforço investidas na modificação de uma situação igualar ou exceder a quantidade e qualidade do esforço que criou a situação; só então a transformação, que é oposta à simples mudança na vida, pode ser alcançada. Por outras palavras, a transformação só pode ocorrer quando os Karmas Agama e Kriyamana neutralizam os Karmas Sanchita e Prarabdha que correntemente se materializa. A quantidade e qualidade de esforço necessário para alterar os karmas anteriores dependem do Karma Prarabdha.

Os três graus de intensidade kármica que se podem aplicar a uma, a muitas, ou a todas as áreas da vida de uma pessoa são:
1. Karma Dridha (fixo)
2. Karma Dridha-Adridha (fixo/não-fixo)
3. Karma Adridha (não-fixo)

Karma Dridha

Os Karmas Dridha dão resultados fixos porque são tão difíceis de mudar que são praticamente não-mutáveis. Estes karmas, agradáveis ou dolorosos, estão destinados a ser experimentados devido à intensidade das suas causas. A maior parte das pessoas já reparou que de tempos a tempos uma experiência simplesmente “acontece”, apesar de todos os esforços para evitar a sua ocorrência. Se, por exemplo, uma mulher grávida que desfrutou de saúde perfeita antes e durante a sua gravidez e que teve o melhor acompanhamento médico der à luz uma criança com uma deformidade congénita, um Jyotishi pode perfeitamente descobrir que ela experimentou um Karma Prarabdha Dridha relacionado com filhos, e que o seu filho experimentou um Karma Prarabdha Dridha relacionado com o seu corpo. Lembrem-se que este tipo de karma tanto pode ser agradável como desagradável; como todos sabemos, aqueles que parece que menos merecem são muitas vezes aqueles que mais avançam na vida.

Os Karmas Dridha aparecem num horóscopo onde exista confluência. A confluência ocorre sempre que muitos factores astrológicos convergem nas suas indicações. Quanto maior o número de indicações para bem OU para mal numa dada área de um horóscopo, mais óbvios se tornam os seus resultados. Só quando várias indicações no horóscopo da mulher grávida concorrentemente sugerem deformidade para o seu filho, é que podemos concluir que ela tem Karma Prarabdha Dridha relacionado com filhos.

Karma Dridha-Adridha

Os Karmas Dridha-Adridha ocorrem sempre que alguns (mas não a maior parte) dos factores do horóscopo relacionados com uma dada área convergem nas suas indicações. Estes karmas, bons ou maus, podem ser mudados através da aplicação concentrada da vontade criativa, embora seja necessário um esforço considerável. Eles dão resultados fixos ou não-fixos consoante a quantidade de esforço empregue. Se a deformidade congénita da criança atrás mencionada foi corrigida ou substancialmente aliviada através de cirurgia, dieta prolongada, exercício intensivo, ou qualquer outro correctivo, então o seu Karma Prarabdha era do tipo Dridha-Adridha. Se o vosso pai vos deixar o dinheiro que tanto lhe custou a ganhar no final da sua vida, e vocês estiverem determinados em o esbanjar, isto será também um caso de Karma Dridha-Adridha sendo mudado pela aplicação assídua do livre arbítrio.

Karma Adridha

Os Karmas Adridha diz-se darem resultados não-fixos porque são facilmente alterados. Sempre que não existe qualquer confluência num horóscopo, os Karmas Adridha estão presentes. Este estado é como ter uma ardósia limpa onde podemos escrever o que quisermos. Quando uma criança de físico normal se exercita e o seu corpo responde com mais vigor de tal modo que o ganho é proporcional ao esforço realizado, e não ocorrem quaisquer dificuldades imprevisíveis, isto é um caso de Karma Prarabdha Adridha na área do seu corpo físico.

MEDIDAS REPARADORAS

Upaya (“método”, em Sânscrito) refere-se no Jyotish ao uso de Karmas Agama e Kriyamana para remediar combinações astrológicas adversas. Embora não seja formalmente um dos membros do Jyotish, este membro “fantasma” pode considerar-se ser a sua divisão mais importante e útil. O Jyotish pode muitas vezes diagnosticar os bons e maus momentos que iremos encontrar na vida, mas é upaya que pode ajudar a aumentar o bom e a mitigar o mau. A existência de upaya mostra que o Jyotish é tudo menos fatalista, pois, se tudo estivesse totalmente predestinado, como é que podiam existir medidas reparadoras?

Uma pessoa bem motivada a quem seja dado um método pelo qual neutraliza alguns karmas indesejáveis implementará esse método seja qual for o tempo e a intensidade necessárias, mas uma pessoa fracamente motivada ou não terá disciplina para prosseguir ou encontrará frequentemente obstáculos que interrompem o processo. Os obstáculos a uma upaya ocorrem particularmente para os Karmas Dridha, uma vez que a força do karma fortemente desencoraja uma mudança de direcção nessa área da vida; os próprios karmas irão interferir com a motivação da pessoa para implementar a medida reparadora.

Quando o karma é não-fixo, o jyotishi esperará mudança imediata ao começar uma upaya. Quando os karmas são fixos/não-fixos, os resultados são previstos depois de alguns esforços concentrados, geralmente depois de um período de quarenta dias. Mas mesmo para aqueles que são perseverantes, a transformação dos karmas fixos pode não acontecer nesta vida, embora uma leve modificação se possa prever. No entanto, desde que as upayas sejam paciente e regularmente aplicadas durante esta encarnação, elas agirão como sementes bem enterradas cuja colheita de resultados desejados será feita durante uma futura encarnação.

Os métodos de upaya são quase sem fim, mas uma lista parcial inclui: a meditação; o uso de mantras (sílabas sagradas, hinos ou orações) que fluem do coração, sem qualquer ritual complicado; a recitação de mantras privados e/ou públicos ritualmente complicados que podem continuar por dias, meses ou anos; o uso de kavachs, pedras preciosas específicas ou outros objectos; o consumo de alimentos especiais ou outras substâncias elaboradamente preparadas; a observância de jejuns ou outros votos; a adoração do fogo, dos planetas e de certas deidades; e actos específicos de caridade.

De toda esta complexidade se conclui a importância que todos nós deveríamos dar à transcendência, ao estar em sintonia com o Absoluto, que nos permite ficar livres das Três Gunas e assim reforçar o nosso livre arbítrio e alcançar rápida libertação em relação ao karma. A técnica de Meditação Transcendental é um dos muitos métodos existentes para este efeito. É um método simples que qualquer indivíduo pode aprender e lhe permite criar dois momentos, de vinte minutos por dia, onde a transcendência acontece, purificando o nosso sistema nervoso, e deixando a mente livre da influência escravizante do karma. Os seus efeitos sobre a saúde estão comprovados por mais de 500 estudos científicos realizados em vários países. Através desta simples técnica de meditação, qualquer ser humano pode melhorar significativamente a sua qualidade de vida, objectivo último do Jyotish.

Palestra de Jorge Angelino, num jantar do Lyons Clube de Setúbal.